Frutas causam cirrose?
- Dr. Eduardo Fidelis
- 24 de mar.
- 4 min de leitura
As frutas são aliadas ou inimigas do fígado? Descubra o que a ciência diz sobre seu papel na cirrose hepática e na perda de peso.
“A natureza nunca faz nada em vão.”
A cirrose hepática representa o estágio avançado de diversas doenças do fígado, marcando um ponto crítico na saúde hepática global. Se antes o álcool e as hepatites virais figuravam como os principais responsáveis, hoje, a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), fortemente associada à obesidade e à síndrome metabólica, emerge como uma das maiores preocupações. Nessa conjuntura, a perda de peso desponta como a estratégia primordial para conter sua progressão, retardando a evolução para esteato-hepatite não alcoólica (NASH) e cirrose.
Paradoxalmente, a própria cirrose, ao se estabelecer, conduz muitos pacientes à desnutrição, exacerbando o risco de complicações fatais. Neste cenário bidirecional, a alimentação desempenha papel crucial. Mas onde as frutas se encaixam? Ricas em fibras, vitaminas e antioxidantes, elas compõem um dos pilares de uma dieta equilibrada. Entretanto, seu conteúdo de frutose levanta questionamentos sobre seu impacto no fígado e no metabolismo. Seria a frutose natural das frutas comparável àquela dos ultraprocessados? E seu consumo influenciaria o sucesso do emagrecimento e a progressão da cirrose?
O Papel da Frutose na Saúde Hepática
A frutose é um monossacarídeo metabolizado quase exclusivamente pelo fígado, diferindo da glicose por não depender de insulina para seu processamento. Estudos demonstram que altas cargas de frutose, especialmente oriundas de adoçantes industrializados como o xarope de milho, impulsionam a lipogênese de novo – processo pelo qual o fígado converte carboidratos em gorduras, levando ao acúmulo hepático. Em excesso, isso pode agravar a DHGNA e acelerar a progressão para fibrose hepática.
Contudo, o contexto dietético é essencial. As frutas inteiras, diferentemente dos ultraprocessados, contêm fibras que modulam a absorção dos açúcares, reduzindo seus impactos glicêmicos e metabólicos. Comparando uma laranja in natura e um refrigerante adoçado com xarope de milho, observa-se que, enquanto a primeira fornece frutose combinada a fibras e micronutrientes essenciais, o segundo carrega uma sobrecarga de frutose livre, amplificando a síntese lipídica hepática.
A literatura é clara: a frutose isolada e concentrada, como em bebidas adoçadas, é um fator de risco para DHGNA. Por outro lado, frutas inteiras, dentro de uma dieta equilibrada, não apresentam essa associação de forma consistente. Dessa forma, o impacto das frutas no fígado deve ser avaliado no escopo da dieta como um todo, e não apenas pelo conteúdo de frutose.
Frutas e Emagrecimento: Aliadas ou Obstáculos?
Quando se trata de controle de peso, as frutas são frequentemente exaltadas por seu alto teor de fibras e baixa densidade calórica. Estudos epidemiológicos sugerem que indivíduos que consomem frutas regularmente apresentam menor risco de obesidade. Além disso, dietas ricas em vegetais e frutas são amplamente recomendadas para prevenção de doenças crônicas.
No entanto, um ensaio clínico recente indicou que um consumo excessivo de frutas (≥4 porções/dia) pode piorar parâmetros metabólicos em pacientes com DHGNA. O estudo mostrou que um alto consumo de frutas, sem controle calórico, levou ao aumento de peso, piora na resistência à insulina e maior acúmulo de gordura hepática. Isso sugere que, apesar de seus benefícios nutricionais, frutas não são isentas de impacto calórico e precisam ser consumidas dentro de um planejamento alimentar equilibrado.
Assim, para emagrecimento e controle da esteatose, o ideal é priorizar frutas inteiras, consumidas com moderação, evitando sucos em excesso e variedades muito ricas em açúcar, como uvas e bananas, em dietas hipercalóricas.
O Lugar das Frutas na Dieta do Paciente Cirrótico
Para indivíduos já diagnosticados com cirrose, a nutrição assume um papel terapêutico crucial. Como a desnutrição é um problema comum em estágios avançados da doença, as frutas podem ser um recurso importante para fornecer antioxidantes e micronutrientes essenciais. Frutas ricas em polifenóis, como berries e romã, têm sido associadas a redução do estresse oxidativo e da inflamação hepática.
Recomenda-se que pacientes cirróticos mantenham um consumo fracionado de frutas, evitando exageros que possam afetar o equilíbrio glicêmico ou sobrecarregar um fígado já comprometido. Além disso, em casos de ascite ou complicações renais, frutas ricas em potássio devem ser ajustadas conforme necessidade clínica.
Conclusão: Um Equilíbrio Entre Benefício e Moderação
A relação entre frutas, saúde hepática e emagrecimento é multifacetada. Quando consumidas de forma equilibrada, frutas inteiras oferecem uma gama de benefícios à saúde, sem representar um risco isolado para a DHGNA ou a cirrose. O problema reside no consumo excessivo e na forma de apresentação da frutose na dieta.
O segredo é a moderação e o contexto alimentar. Enquanto ultraprocessados ricos em frutose devem ser evitados, frutas frescas podem e devem fazer parte de uma dieta equilibrada, tanto para prevenção da esteatose quanto para o manejo da cirrose. Em suma, o fígado não teme a fruta em seu estado natural – mas sim o excesso calórico e os desequilíbrios dietéticos que comprometem sua função.
Referências
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